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domingo, 14 de agosto de 2011

ENTRE A CRUZ E A CASTIDADE

A humanidade evolui e a Igreja Católica insiste em certos preceitos como o celibato; a verdade é que os padres questionam cada vez com mais veemência até que ponto a sexualidade interfere em sua vocação?
Para muitos religiosos não se trata de um teste de fé, mas de dúvida. E são poucos os que desejam expor a dúvida do celibato abertamente. A tentativa era entrevistar pelo menos um padre que não praticava a castidade e vivia sua sexualidade abertamente – o que foi facilmente encontrado, mas ele deixou bem claro que há certos segredos que não devem ser revelados, mesmo sob anonimato. O preceito da Igreja Católica que prega o celibato para padres, freiras e religiosos de várias partes do mundo tem mais de 900 anos. E, no entanto, a ausência do sexo no corpo e na mente dos religiosos pode ser considerada uma meia falácia. Mesmo muitos daqueles que conseguem sublimar a vida sexual em prol da sua fé e do outro, questionam até que ponto a castidade interfere na vocação ou o contrário.
Atualmente, há 18.685 padres no país e mais de 400 mil no mundo – dados do Anuário Católico de 2006 e do Vaticano. O celibato, seja conceitualmente ou fisicamente, não é fácil para muitos. Alguns padres e freis de Belo Horizonte, entrevistados durante quase dois meses pela Viver Brasil, e que vivem o celibato, preferiram o anonimato para falar livremente do assunto – e não sofrer represálias. Eles não creem em uma mudança imediata por parte da cúpula da Igreja, mesmo assim apostam, em algum lugar do tempo futuro, na transformação da obrigatoriedade celibatária por um motivo simples: o risco de esvaziamento dos seminários e paróquias pelo desinteresse de pessoas que não aceitam a castidade.
Há sete anos, o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), divulgou estudo que colocou a cúpula da igreja em polvorosa. A pesquisa com 758 padres brasileiros mostrou que 42% deles queriam que o celibato fosse opcional; e 41% afirmavam ter tido envolvimento afetivo com mulheres. Atualmente, não há estatísticas que reforcem ou tragam dados novos sobre o assunto. Há quem tenha encontrado no celibato a sua forma de vida, como é o caso de Z., padre, 30 anos, que há pelo menos sete optou pela castidade. Articulado, Z. conta que é muito assediado, não só pelas moças, mas às vezes pelas próprias famílias, jovens – às vezes é um assédio com cunho sexual, outras meramente pela carência das pessoas. Ele analisa que sempre houve uma mitificação quando o assunto são os padres. Z. não pensa no celibato como uma escada para fortalecer sua fé, mas, sim, para servir melhor sua comunidade.
“Ser padre é um serviço de doação. Tenho liberdade para atender as pessoas no momento que elas precisam. Talvez se tives¬se laços matrimoniais, não seria tranquilo”, afirma. A contradição está no fato de, perguntado se, caso o celibato não fosse obrigatório, pensaria em casamento, não houve titubeio por parte de Z. “Lógico que pensaria em me casar. Não veria o porquê de não fazê-lo”, afirma. O jovem padre vai mais longe e põe o dedo no que considera uma ferida – o Vaticano ignora a realidade brasileira, com religiosos muitas vezes tendo dificuldade em não só viver o celibato, mas também na solidão e sucumbindo a problemas graves, principalmente, ao alcoolismo. “Para o seu próprio bem, a Igreja tem de abrir a discussão dessa obrigatoriedade. Não sei se será amanhã, se verei essa época. Mas, se não houver essa abertura, vamos retroceder”, desabafa.
Não há intenção da Igreja Católica colocar em debate o celibato. O vigário geral da Arquidiocese de Belo Horizonte, monsenhor Judas Tadeu Vivas, afirma que mesmo podendo acontecer uma reavaliação, ele não vê razões fundadas para que a não-obrigatoriedade do celibato possa ocorrer neste momento. “É muito difícil trabalhar sobre hipótese. Penso, no entanto, que a repercussão de uma eventual abolição da lei do celibato teria o mesmo posicionamento que os fiéis têm atualmente em relação à manutenção – os que seriam contra, os que se posicionariam a favor e os indiferentes (a grande maioria)”, afirma Vivas.
Se essa obrigatoriedade não está em questão, pelo menos a sexualidade deveria ser melhor debatida, na opinião do frade e psicólogo Marco Antônio Torres. Como muitos trabalham com o conceito de que o sexo está relacionado a algo sujo, que afasta as pessoas de Deus, a Igreja Católica apropriou-se de uma lógica própria, em que discutir o sofrimento das pessoas que não vivem plenamente sua sexualidade não está em questão. “Se o celibato existe no cristianismo desde o seu nascimento, o mesmo não ocorre com a obrigatoriedade do celibato para os padres, que foram definitivamente proibidos de se casarem apenas no século 11”, afirma. Quase dez séculos depois, Torres afirma que inexiste uma abertura para que os religiosos possam nomear os próprios sentimentos e, a partir daí, lidar melhor com eles. “A vivência do celibato para aquelas pessoas que não lidam bem com ele, pode ser doentia. Já conversei com vários religiosos que estão há décadas na castidade e muitos me falaram que o celibato foi o grande inferno da vida deles”, diz o psicólogo.
Se esse inferno tem duas faces, uma delas pode ser considerada a vida das pessoas que se relacionam com os padres. No início deste ano, 40 mulheres italianas, que mantêm ou mantiveram algum tipo de relacionamento com religiosos, assinaram carta envia¬da ao papa Bento 16, pedindo o fim da obrigatoriedade do celibato. A re¬portagem conseguiu falar com uma delas, Stefania Salomone. A italiana mantém um site (www.ildialogo.org) em que propõe um diálogo para que essas possam se expressar. Para Stefania só há uma explicação para a igreja insistir na manutenção do celibato: o poder e o dinheiro. “Se algo impede alguém de exercer o direito fundamental ao casamento, isso é uma forma de poder. Sabemos, pela história, que a principal razão para a introdução da disciplina do celibato foi econômica – o legado do padre deve retornar à igreja. O celibato não tem nada a ver com a fé, nem com a mensagem de Jesus”, diz. A afirmação da italiana casa-se com a argumentação de alguns historiadores, que acreditam que a decisão de impor o celibato, pelo papa Gregório VII, em 1073, nada mais foi do que uma maneira de evitar que os bens dos bispos e sacerdotes casados fossem herdados por seus filhos e viúvas e saíssem do âmbito da igreja.
Stefânia diz que muitos religiosos nem sequer sabem que o celibato é um assunto problemático em suas vidas. Muitos dos que tiveram relacionamentos com o grupo de mulheres italianas, confessaram que durante o seminário estavam convencidos de que a vocação lhes daria o poder de renunciar ao casamento. “Uma vez fora do seminário, quando atingiam certa idade e imersos na vida paroquial, a tendência era que sentissem uma gran¬de solidão. Mas eles não estavam habituados a falar de si. Por que a vida do sacerdote deve permanecer envolta em mistério e santidade, a fim de acentuar a distância entre ele e outras pessoas?”, questiona.
Quando essa distância é rompida, muitos desses padres se sentem voltando ao mundo dos mortais, como afirma o presidente da Associação Rumos Movimento das Famílias dos Padres Casados, José Edson da Silva, 41, que se afastou do ministério sacerdotal há seis anos. Silva vive em união estável com Maria Lúcia Moura há 15 anos e tem duas filhas, Isabella, 13, e Mariana, 6 anos. “Como bem sabemos, não existe ex-padre. Uma vez ungidos, seremos padres eternamente. Mas, quando fazemos uma opção por constituir família temos que, forçosamente, fazer a opção do altar ou do lar. Dentro desta realidade, somos convidados ao mundo real, pois teremos de abdicar de todo o conforto e segurança”, diz. Apesar de envolvidos o tempo todo pelos fiéis, Silva revela que a vida de um celibatário é solitária. Ele fala da necessidade do calor humano, do aconchego pelo ser humano e de como o corpo necessita de atenção. “E, por essa razão, se passarmos a vida sublimando e escondendo nossas emoções elas poderão se transformar em patologias ou desvios afetivos, como comumente vemos na mídia”, afirma.
Para ele, por mais que se tenha um compromisso de falar em castidade não se pode esquecer que o religioso é um ser de carne e osso. “Acredito que a vivência do amor é a única fonte segura de estarmos mais perto de Deus”, completa.
Nem todos pensam assim, principalmente aqueles que encontraram no celibato uma forma de reafirmar suas vidas. É o caso de F. que é celibatário há 42 anos e já passou dos 60. Para ele, o primeiro princípio para a castidade tem a ver com o conhecimento que cada um tem de si. A sublimação e qualquer outro sentimento ou resolução tem de partir da própria pessoa. É ela quem deve decidir quem é o protagonista da própria vida. “Há pessoas que acham que é rezando que tudo vai se resolver, que Deus é quem vai solucionar o problema. Tudo isso é bobagem. Ela precisa saber em qual valor vai apostar para gerenciar sua vida, porque isso é indelegável. É algo que não podemos passar para ninguém, nem mesmo para Deus.”
O grande problema, na opinião de F., é que alguns dos futuros ou atuais religiosos não estão sabendo exatamente o que querem de suas vidas. Em sua opinião, o sacerdócio virou uma profissão, uma alternativa de rentabilidade, e muitos preferem viver na dubiedade a assumir o conflito. “Padre não fica desempregado”, ironiza. “É preciso que as pessoas vivam o mais livre possível em um valor em que elas possam sair de si para o outro de maneira desinteressada. Não é para negar a genitalidade, mas canalizar essa energia sublimando-a para esse valor maior”, diz F.
Para o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, William César Castilho a questão do celibato não deve ser somente entendida como uma opção de religiosos. A castidade está presente na vida de muitas pessoas seja por situações ocasionais, circunstâncias da vida, situações orgânicas, emocionais, religiosas, étnicas. “A questão é: por que todo mundo tem que ter o seu par? Não é anormal, tampouco patológico ser celibatário. Talvez o anormal seja todo mundo ter de se casar”, opina.
Para Castilho é possível sim viver bem e integralmente o celibato desde que a escolha desse modo de vida seja feita conscientemente, para que ele não só clarifique suas pulsões como canalize sua energia sexual para outros fins. “Não é admissível um padre que recalque suas pulsões. O celibato não foi feito para recalcar, mas, sim, para redimensionar toda a energia amorosa para a atividade presbiterial”, diz. Aqueles que não conseguem essa canalização não encontram, também, apoio na igreja. É a opinião do presidente da Associação Rumos Movimento dos Padres Casados, José Edson. Ele afirma que ao longo dos séculos a única coisa que a igreja foi capaz de oferecer foi um discurso moralista. “Sexualidade é um conceito amplo e que no senso comum se confunde com o ato sexual em si. Falar de sexualidade é ser capaz de sentir as pessoas como gente e de amar em qualquer situação”, diz. Para ele, a mentalidade de colocar pessoas nos conventos ou seminários para se livrar dos prazeres do mundo foi a pior forma de se viver a sexualidade. “Imaginemos então como evangelizar sem conhecer a si mesmo, sem entender o que se passa com o nosso corpo, sem ser capaz de refletir o verdadeiro sentido da sexualidade humana. Infelizmente, a Igreja ainda está travada e despreparada para tal discussão.”
Muitos colegas padres se afastam de nós, não somos procurados mais para visitar suas paróquias, infelizmente esta realidade é presente em nossas vidas. Lembro que na entrevista com o Padre José Silva, ele dizia que é um choque para quem fica. Muitos não tem a coragem que nós padres casados temos, preferem viver lá e cá. Sabemos que é assim.
Se por um lado há esse choque e o risco de esvaziamento, uma alternativa possível – que não é vista como tal pela Igreja – seria uma maior participação do chamado diácono permanente, uma pessoa de fora dos círculos da Igreja, que poderia ser casada ou não para assumir algumas tarefas antes reservadas aos padres. Neste momento, a Arquidiocese de Belo Horizonte está em processo de convite a 12 pessoas para assumirem essa tarefa. Esses diáconos poderiam fazer batizados ou casamentos, mas, por enquanto, segundo o monsenhor Éder Amantéa, o foco seria um atendimento de assistência social junto às comunidades. A ideia não é de suprir a carência por padres, já que estes não seriam substituídos pelos diáconos. “Será o momento de fazermos um trabalho mais organizado, com pessoas formadoras de opinião, que sejam lideranças em sua comunidade.”
Texto: Eliana Fonseca

Aguarde a próxima publicação da Associação Rumos

7 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns por fazer parte da nossa família. Divulgue o nosso trabalho para seus colegas diocesanos. A nossa Associação luta para que um dia a nossa Igreja se abra ao NOVO.

Pe. Carlos

Anônimo disse...

Os padres precisam tb de constituir familia como Pedro apostolo. Somente assim eles não vão procurar mulher escondido. Jesus não condena e quem poderá condenar.
os que gostam de mulher todos tem um caso. eu mesmo sei de um.

Anônimo disse...

a IGREJA TEM QUE PERCEBER QUE O PADRE TEM SENTIMENTOS. LIBERAÇÃO DO CELIBATO A IGREJA SERÁ MAIS HUMANA.
RAFAEL - SSA

Anônimo disse...

Ola padre, acabei de conhecer o seu blog através de uma amiga. Este tema do celibato é polemico, não seria melhor deixar o padre optar ou não pelo celibato. Hoje existe obrigação e não opção.

Joelma - SSA - Catequista

O Bom Pastor disse...

Creio, que muitos de vocês, os quais comentam no Blog Bom Pastor, são apaixonados por Jesus e pela missão que Ele realizou no mundo. Eu também sou apaixonado por Ele. Hoje somos mais de 140 milhões de padres casados no mundo, a nossa esperança é o Papa rever o celibato. Tenho vocação, amo ser padre, mas infelizmente a igreja não aceita a nossa opção. Viver no meio termo é pecado, vocês entendem o que estou dizendo. Continuem comentando.
Abraços do amigo Pe. Erivaldo.

Anônimo disse...

Precisamos apoiar a decisão dos padres casados. Eles tambem são configurados a Cristo. Não vejo nada de errado. Errado é está com um e outro.

Anônimo disse...

Nego, vejo que a sua decisão foi correta. O amor é capaz de superar tudo. Ame a sua esposa e a sua Igreja. Acredito nna sua vocação. Seja feliz, um dia a igreja vai liberar voces para exercer o ministério.

o bispo da nossa diocese precisa ver as qualidades de vocês e não condená-los.